21 de março de 2010

Perseguindo Kimi

O campeão mundial de F1 Kimi Räikkönen fez sua estreia no WRC no Rali da Suécia. Ben Barry o seguiu em cada passo de seu caminho. Literalmente.

Fotos: Mark Fagelson











Isto parece errado. Recém chegamos em Färjestad - palco do Super Estágio Especial que dá início ao Rali da Suécia - e em apenas alguns segundos estarei ao lado de Kimi Räikkönen, uma vez campeão mundial de F1, e agora piloto de rali em tempo integral - o único piloto de F1 na história a fazer uma mudança integral.

Invadimos uma sessão de autógrafos e passamos rapidamente pela fila, empurrando crianças pequenas e passando batido por outros pilotos. A qualquer segundo agora, poderei falar com Kimi, talvez até mesmo fazer cócegas sob seu queixo, e não haverá nem sequer um guarda de segurança ou barreiras entre eu e um dos astros do esporte mais bem pagos do mundo, somente uma frágil mesinha de madeira.

Estou surpreso em como estou nervoso - meu coração lateja, minha boca seca e minhas artérias carótidas pulsam em meu pescoço. O que dizer a Kimi? O que dizer?

Duas garotas à minha frente conseguem uma foto autografada - sem troca de gentilezas - e logo caminham para a frente, sem fôlego, com os olhos arregalados, antes de ter uma conversa inteira de gritos convulsivos. Há fãs masculinos também, todos despachados silenciosamente. É só pelos pequenos que Räikkönen se esforça, e todos são muito tímidos para fazer contato visual. Ele se debruça sobre a mesa, sorri, fala brevemente e coloca o cartão assinado em suas mãos. Minha vez. Ai meu Deus.

'Olá Kimi, somos da Revista CARe viemos para...' Räikkönen olha para cima devagar por debaixo da enorme aba de seu boné de baseball da Red Bull e fixa seus olhos azuis cor de gelo, quase de lobos, nos meus. Ele parece absolutamente furioso, quero dizer, absolutamente, genuinamente furioso, pronto a me socar.

'Ah, não é hora para isso,' ele resmunga. 'Eu só queria dizer que viemos para segui-lo no rali,' eu gaguejo. 'Olha, bem, leve isto,' ele diz, olhando distantemente, me entregando dois pedaços brilhantes de cartões assinados que retratam seu Citroën C4 saltando pelos ares. 'Você está gostando do rali?' eu pergunto. 'Sim,' vem a resposta, trabalhada com a ênfase que uma criança poderia assegurar a sua mãe que ele vai arrumar seu quarto.

Mais tarde, seu RP vai explicar que a Citroën - nossos hospedeiros - não têm força sobre Räikkönen porque ele é um piloto da Red Bull. Uma entrevista é impossível; se eu tiver sorte, receberei uma foto de fã perseguidor.

O rali é realmente um plano B para o campeão mundial de F1. O plano A era competir no campeonato mundial de F1 de 2010 - ele tinha contrato com a Ferrari estte ano, mas Maranello o empurrou para fora para dar espaço a Fernando Alonso. Outras negociações foram interrompidas, e então as ambições de longa data de Räikkönen para o WRC assumiram, com o finlandês se unindo ao compatriota Kaj Lindström, uma vez co-piloto do multi-campeão de WRC Tommi Mäkkinen.

'Conversamos pela primeira vez quando eu trabalhava com Tommi [que se aposentou no final de 2003!]. Kimi disse que gostaria de participar dos ralis um dia, e eu disse que seria seu co-piloto,' diz Lindström, revelando um desejo mais profundamente guardado e senso de lealdade da parte de Räikkönen do que seu comportamento gelado e impassivo possa sugerir.

Fazer - e acreditar - nas notas de ritmo é algo com o qual Räikkönen tem tido dificuldade após a previsibilidade dos circuitos da F1. Então, como eles constroem esta confiança? Simplesmente através da pilotagem? 'Bem, você tem que fazer coisas para conhecer um ao outro fora do carro também,' diz Lindström. 'Tipo o quê?' 'Bem... coisas.' Todo o círculo interno de Räikkönen fica hesitante quanto a sinalizar detalhes.

A dupla participou de cinco ralis até agora, a abertura do campeonato de 2010 neste fim de semana sendo seu sexto, e o primeiro de Räikkönen como um piloto sério do WRC. Ele pilota um Citroën C4 ao lado de Sébastien Ogier na equipe Junior da Citroën, uma demracação abaixo do campeão mundial Sébastien Loeb e do empenho da fábrica com Dani Sordo.

Quando você olha para as barracas e as lustrosas transportadoras da equipe, as duas parecem bastante semelhantes, mas enquanto umas 70 pessoas trabalham na equipe principal, apenas 17 trabalham com Räikkönen e Ogier. Os testes são muito mais limitados também, e o carro - apesar de semelhante - é equivalente às especificações de Loeb em 2008. Enquanto isso, o engenheiro de Räikkönen, Cedric Mazenq, é um jovem cara com currículo no automobilismo apenas desde 2006 e cuja carreira no WRC começou apenas em 2009. Não há tapetes vermelhos aqui.

'Kimi me ligou pessoalmente em outubro do ano passado perguntando se ele poderia fazer isto,' diz o não exagerado chefe da equipe Citroën Racing, Olivier Quesnel. 'Eu disse que ele precisaria trazer o orçamento. A Red Bull pagou; nos encontramos em janeiro.'

Räikkönen recebe tratamento preferencial? 'Não, ele primeiro tem que ir rápido. Ele é como um jovem piloto, o rali é muito complicado e ele tem que aprender. Mas eu sei que ele está fazendo com muita seriedade e realmente quer ser bem-sucedido. Após a primeira metade do ano vamos ver, mas tenho certeza que ele irá bem.'

'Ele é profissional, de mente aberta e esperto,' adiciona o engenheiro Mazenq, 'e seu feedback - por causa da F1 - é muito preciso; ele sente cada clique nos amortecedores. Mas ele sabe que é um novo desafio, que ele ainda não pode competir com os pilotos de ponta e que ele tem que aprender devagar.

'Tentamos ajustar seu carro para tornar as coisas mais fáceis para ele, para que ele possa se concentrar 70% na pilotagem, 30% nas notas de ritmo. Ele tem um set-up de suspensão levemente mais macio do que os outros para que ele possa facilmente sentir a aderência lateral e longitudinal e ter mais confiança. Mas ele é mais suave com a direção nas entradas do que o normal, então ele recebe understeer. Temos que metade adaptar o carro, metade adaptar Kimi.'


Alguns reclamam que o rali não é tão esgotante quanto era, mas ainda há dias muito longos no WRC. Começa na quinta às 8 da noite com o Super Especial, dois carros correndo no estilo Scalextric num estádio. O próximo dia começa às 8:18 da manhã nas florestas, os pilotos parando só depois das 8h da noite. Sábado, é 'só' das 7:58 da manhã até às 6h da tarde; domingo, das 7:52 da manhã até às 3:30 da tarde. Durante este tempo, os pilotos vão bater 345km de estágios difíceis, acreditando totalmente nas notas de ritmo enquanto se comprometem em curvas cegas, mais tarde navegando mais 445km em estradas públicas enquanto pneus roncam grosseiramente abaixo deles. Não é F1.

Às 8h da manhã de sexta-feira, dirigimos até os estágios com pneus de tachão de inverno arranhando as estradas secundárias de gelo e neve, gratos por nossas múltimas camadas de roupas térmicas e à prova d'água e grossas botas, pois a temperatura cai para -21ºC.

Estacionamos e caminhamos floresta adentro, e o sol aparece por verdes cobertos de neve, fumaça de iluminação secundária vindo das fogueiras que os fãs acenderam para manter-se aquecidos e cozinhar comida, um cheiro de salsichas flutuando pelo penetrante ar frio. Há muita cerveja por aí, crianças perambulando, bandeiras finlandesas agitando e apenas alguns chefes de protocolo que apitam segundos antes de um carro de rali passar rugindo a 75 milhas por hora num lugar onde você mal passaria das 30 mph.

Loeb passa primeiro por uma névoa de mastigadas barulhentas de indução gutural e trovões. Logo ele passa um pouco de lado e vai para o ar numa elevação, uma bruma cheia de neve nos envolvendo em sua vigília; o piloto da Ford Mikko Hirvonen é o próximo, claramente mais rápido, absolutamente. Räikkönen é o sétimo - rápido, comprometido, mas visivelmente mais lento. Mais tarde ele vai rodar, e então terminar a composição de seu erro ao afundar nos macios bancos de neve ao lado da estrada enquanto fez uma curva. Vinte e seis minutos vão se passar.

Quando ele chega ao serviço já no escuro, Räikkönen é rodeado pela imprensa quando abandonamos os líderes por um cara que agora está meia hora atrás deles, o 47º colocado entre 54 participantes. Quase incapaz de abrir sua porta na aglomeração, ele se inclina para fora e empurra suavemente um fotógrafo. Todos balançamos para trás, e o piloto que se ajoelha atrás de nós tentando consertar seu carro fica esmagado e empurra de volta; ninguém tem o controle neste tumulto de flashes e cadernos de anotação. Räikkönen não fala com ninguém, mas seu co-piloto fala.

'Para um cara que fez cinco ralis, sua pilotagem é absolutamente incrível,' diz Lindström, zumbindo com adrenalina. 'Pergunte a Petter Solberg, a qualquer um, é incrível. Ok, foi lamentável que saímos da pista, mas estas coisas acontecem e o próprio Kimi Räikkönen nos tirou da neve com uma pá! Eu só espero que as pessoas foquem em sua pilotagem, e não em fazer algum tipo de história escandalosa para os jornais.'

Com isto, Lindström se vai, levando o carro para o serviço, seguido por mais repórteres. Mais tarde, vamos bisbilhotar e ouvir uma entrevista à WRC TV, a única mídia que tem acesso, mas Räikkönen não diz nada revelador - 'seria legal ir mais rápido'; 'é muito mais desafiador que a F1' - então, notavelmente, ele passa por mim me empurrando com algo que tenho certeza que ser um reflexo horrorizado de reconhecimento, caminha em direção aos embriagados fãs finlandeses que têm gritado seu nome incessantemente nos megafones, depois ri e assina seus capacetes. Minha abordagem foi sutil demais?

O sábado mostra algumas performances impressionantes em estágios que mesmo o líder Hirvonen descreve como muito difíceis: 'Há barrancos profundos; neve solta, gelo e cascalho. Você se arrisca o tempo todo.' Räikkönen permanece consistente, se não é espetacular - 54.4 segundos atrás do ritmo no estágio nove de 11; um minuto atrás, em 32º, no 10; 22.8 segundos atrás mas sobe para sexto no estágio 15.

Continuamos a segui-lo para todo lugar. Quando ele sai de seu carro para checar a pressão dos pneuse numa estação de reabastecimento numa área remota, saltamos de trás de uma pilha de toras; quando ele pega uma estrada secundária para a área de serviços, ele demora para perceber enquanto eu abano do lado da estrada; quando o observamos escondidos em seu motorhome, ele sai sorrateiramente de outra porta e emerge entre duas tendas. Eu fico ao lado de seu carro por uma hora no serviço noturno enquanto meus pés congelam, e então descubro que ele está comendo na área de hospitalidade da Citroën. Ele está lá. Kimi Räikkönen está jantando logo ali. Podemos simplesmente entrar.

Eu faço a abordagem do encantador de cavalos - entro caminhando timidamente, olhando para o chão, sento do lado oposto da tenda, sento ali por alguns minutos, e então abordo seu RP enquanto a WRC TV grava uma entrevista. Uma foto com Kimi. Uma foto. 'Kimi. Uma foto,' diz sua PR.

Kimi Räikkönen revira seus olhos, então caminha e fica ao meu lado. 'Obrigado, Kimi,' eu digo. Não há resposta. Mark Fagelson tira a foto. Räikkönen imediatamente recua à segurança. É isto. Terminamos. Uau.

O rali termina no próximo dia após 21 esgotantes estágios. Hirvonen termina 42,3 segundos à frente de Loeb, que termina 33,1 segundos à frente de Jari-Matti Latvala. Possivelmente o melhor piloto finlandês do mundo termina em 30º, 37 minutos, 47,2 segundos atrás do quinto colocado, seu companheiro de equipe Ogier. 'Na F1, a única grande mudança acontece quando você está usando pneus slick no molhado,' ele diz à WRC TV mais tarde, 'mas no rali, cada curva pode ser diferente e geralmente é. Eu tenho muito respeito pelos caras que estão no topo.'

Ele vai retornar para 2011? O chefe da equipe Olivier Quesnel não descartou uma promoção para a equipe principal, mas eu duvido. Räikkönen diz gostar do cartáter 'sem bobagens' do WRC, mas com isto vem uma sessão de autógrafos que qualquer um pode invadir; um estacionamento de serviços onde os jornalistas andam em bandos selvagens; a necessidade de pilotar em estradas onde o público pode simplesmente o seguir.

O WRC não vai mudar para acomodar Räikkönen, e você fica imaginando se talvez ele não vá sentir falta de um pouco das bobagens da F1 - algumas barreiras claramente definidas entre ele, o público e a imprensa - de tempos em tempos. Certamente me tiraria de seu encosto. Quando partimos para pegar nosso avião, descubro que seu RP está tentando me tirar de perto também quando ele me diz para enviar por e-mail algumas perguntas que Räikkönen irá respondê-las. Parece como mandar um e-mail para Papai Notel. Então, quatro dias depois, uma resposta chega à minha caixa de entrada. Quase não posso acreditar.

'Você tem algum heroi no rali?' perguntei. 'Não, nunca tive nenhum heroi na F1 e é o mesmo no rali,' escreve Räikkönen. 'Mas sempre fui amigo de pilotos de rali como Tommi Mäkinen, que já correu com meu carro para mim no passado. Ele foi um grande campeão.'

'O rali é mais assustador do que a F1?' 'Nunca tive medo dentro de um carro, então é difícil dizer. É verdade que no rali você fica próximo das árvores, mas as velocidades são mais baixas do que na F1. No momento é mais difícil do que a F1, certamente!'

'O rali vai te tornar um piloto melhor de F1?' 'Não acho que sim, pois é um outro tipo de pilotagem completamente. No rali você compete em uma grande variedade de superfícies e condições, e tecnicamente a F1 é muito diferente, com todos os parâmetros como aerodinâmica, que não participam do rali.'

'A Suécia foi mais esgotante que um fim de semana na F1?' 'De algumas maneiras, sim. Saíamos às 5:30 da manhã e não voltávamos até depois das 10 da noite. Você só tem uma meia hora nas paradas para serviços, e um pouco mais à noite, então não há muito tempo para fazer tudo. Pelo outro lado, as forças físicas sobre seu corpo não são tão grandes quanto na F1.'

'Todo mundo diz que este é um ano de aprendizado para você no WRC, mas você pode realmente se ver no WRC 2011?' 'Não faz sentido pensar nisso até a metade desta temporada, mas com certeza há uma possibilidade de eu ficar no rali no ano que vem.'

Todo este tempo de perseguições, congelamento e viagem e um simples e-mail responde mais do que poderíamos ter coberto pessoalmente. 'O truque,' diz o RP, 'é abordá-lo quando ele está entediado.'

Como aprendemos, isto é mais difícil do que o olhar apático de Räikkönen possa sugerir.


Trabalhando com Kimi

OS HOMENS POR TRÁS DE KIMI RÄIKKÖNEN

Cederiq Mazenq, engenheiro
'O carro de Kimi é levemente mais macio do que o normal para que ele possa sentir a aderência, ganhar confiança e se concentrar mais nas notas de ritmo. Temos que metade adaptar o carro, metade adaptar Kimi.'

Benoît Nogier, chefe da equipe Junior
'Kimi nos impressionou, mas um pódio é muito otimista para 2010. Ele tem muito a aprender. Ele está acostumado a fazer o melhor ajuste na F1; no rali, temos que optar pela melhor concordância.'

Marek Nawarecki, chefe de RP
'Tudo é possível - Kimi pode melhorar sua velocidade muito rapidamente e a segunda metade do ano será muito interessante. mesmo agora ele está a apenas 1,2 segundos por km de alcançar seu companheiro de equipe.'

Kaj Lindström, co-piloto
'Estou acostumado a ter um pouco de atenção após pilotar com Tommi [Mäkinen], mas não assim. Para um cara que fez cinco ralis, a pilotagem de Kimi é inacreditável - muito, muito impressionante.'

Olivier Quesnel, chefe da equipe
'O rali é muito complicado e Kimi tem que aprender tudo - acima de tudo, ele precisa aprender como trabalhar com seu co-piloto e escutar com cuidado. Mas sei que ele vai ir bem.'

Fonte: Car Magazine
Agradecimentos: Saima @KRS, YiNing, Miezicat
Tradução: Fran

Sem comentários: