8 de janeiro de 2010

Entrevista completa com Kimi da Red Bulletin

Introdução - editorial da revista

O Homem de Gelo pegando fogo?

É inverno e, apropriadamente, o 'Iceman' chega. Sim, isto mesmo, um dos pilotos mais rápidos e empolgantes de todos os tempos a pilotar quatro grossas rodas nas pistas neste mês se torna parte da família, se juntando à equipe Red Bull Junior World Rally.

Recém vindo de seu assento da Fórmula 1 na Ferrari, Kimi Räikkönen, o campeão mundial de F1 de 2007 estará trazendo sua excitante velocidade e controle sobre o carro para uma disciplina movida a gasolina inteiramente nova - uma que vai requerir todos os seus notáveis talentos, mas agora na lama, neve e cascalho ao invés das superfícies duras nas quais ele sempre foi excelente.

Haverá, talvez, uma nova liberdade para ele demonstrar suas habilidades assim como o ambiente mais relaxado para aproveitar do Mundial de Rali. Talvez, também, após nove temporadas na F1 veremos o Iceman descongelar um pouco. Você pode ver os pensamentos de Kimi sobre sua mais recente aventura na página 42 e, qualquer que seja o resultado, quando um piloto como Kimi está atrás do volante de um carro de Mundial de Rali, os resultados só podem ser espetaculares.

(...)

Reportagem

Kimi Räikkönen

Por quase uma década, o nome 'Kimi' tem significado velocidade e controle de carro chocantes. Neste ano, com uma mudança para a equipe junior do Mundial de Rali da Red Bull, ele calcula que ele assumiu o maior desafio de sua carreira

Os freios de disco de fibra de carbono em sua Ferrari de Fórmula 1 mal esfriaram, mas Kimi Räikkönen já mundou para algo novo: um carro para a mesma equipe Red Bull Citroën do Mundial de Rali que acaba de levar Sébastien Loëb para seu sexto título mundial consecutivo.

A chegada de Räikkönen é uma grande estratégia para o Campeonato Mundial de Rali: mesmo com todas suas performances em coletivas de imprensa ocasionalmente mudas, o cara é uma superestrela. E enquanto alguns possam questionar a mudança do 'pináculo do esporte a motor' para um universo paralelo de lama e árvores e gelo e neve ao invés de volta após volta do primitivo asfalto, o homem não tem dúvidas: esta é uma tentativa muito séria em uma série mundial igualmente prestigiosa, uma que ele vai atacar com todo o comprometimento pelo qual ficou famoso na F1.

Então, Kimi, vamos falar sujo. Qual é o carro de rali mais antigo que você se lembra?
O Ford Escort do meu irmão. Claro, como um bom finlandês, eu vi carros de rali desde pequeno. O que eu mais gostava era o Peugeot 205 T16 de Ari Vatanen e Juha Kankkunen. O primeiro rali que eu fui deve ter sido o Rali dos 1000 Lagos de 1991, que Kankkunen venceu em um Lancia Delta Integrale.

Pilotos de rali foram seus heróis de infância?
Eu não tive nenhum herói de infância, eu era fã do esporte, não de pilotos individuais. Durante minha infância, Kankkunen, por exemplo, era um piloto de classe mundial então ele poderia ter sido um ídolo. Eu o conheci desde então. Ele ainda tem um Peugeot 205 em casa e um Audi Quattro de Grupo B dos anos 1980. Talvez ele me empreste se eu pedir com jeitinho.

Era inevitável que você acabasse nas pistas?
Eu sempre quis tentar dar uma chance ao rali, mas cheguei à F1 muito rápido [Räikkönen tinha apenas 21 anos quando fez sua estreia na F1, pela equipe Red Bull Sauber no GP da Austrália, marcando um ponto pelo sexto lugar]. Então ficou difícil me mover para o lado do rali, o que significou que eu tive que deixar pra lá. Eu não tive a chance até muito tarde - eu tinha quase 30 [Räikkönen competiu no Rali da Finlândia de 2009, em um Fiat Grande Punto Abarth]. Também acho que a F1 te ajuda como um piloto de rali e vice-versa.

Mas não seria um pouco ingrato dizer que você estava aguardando na F1 por nove anos e teve que se tornar campeão mundial para finalmente se tornar um piloto de rali?
É simplesmente a maneira como as coisas aconteceram na minha carreira. Agora é a hora certa para tentar com as pessoas certas e o carro certo por quanto tempo for. Eu cheguei a negociar com outra equipe de F1 para a próxima temporada, mas não chegamos a 100% de acordo. Então a Red Bull veio e me fez uma oferta para pilotar no WRC por uma temporada. Parecia a coisa certa a se fazer no momento.

Muitos pilotos de corrida em seu lugar teriam apenas comprado um carro mundial de rali para se divertir apenas. Mas você se juntou ao Junior Team da Citroën para uma temporada completa quando você vai competir com Sébastien Loeb, o melhor piloto de rali na história do esporte. Você não dificultou as coisas para si mesmo?
É definitivamente o maior desafio até agora. Tenho que aprender tudo desde o início. Mas quero o desafio. Tenho que conhecer o carro, os ralis, aprender como trabalhar com meu co-piloto [Kaj Lindström], tudo. Estou ansioso. E você tem que ter uma competição se quer realmente saber o quão bom você é. Eu ainda poderei pilotar pela floresta em um carro particular de rali.

Mas quando você entrou no WRC ano passado, no Rali da Finlândia, foi um esforço muito mais profissional comparado com outros convertidos conhecidos.
Se você vai fazer algo, faça com a melhor equipe. Meu carro foi prepardo pela equipe de Tommi Mäkinen; estes caras são super profissionais. Claro que é uma operação menor do que uma equipe de F1, mas eles são profissionais. Mesmo que um piloto de rali tenha um papel maior no geral no rali do que na F1, o melhor piloto não vai vencer em um carro ruim. É por isso que eu queria um co-piloto experiente para que pelo menos um de nós saiba o que está fazendo. Conheci Kaj Lindström através de Tommi e fomos espiões do gelo para Chris Atkinson durante o rali de Monte Carlo em 2006. Kaj é excepcional; ele e Tommi foram Campeões Mundiais juntos. Kaj foi também quem fez o primeiro contato com a Citroën Sport.

Entrar no WRC é um pouco como quando você testou a Sauber F1 pela primeira vez em 2000?
Sim, estou encontrando um pouco do jovem Kimi em mim novamente. Um carro de rali mundial é mais rápido e mais resistente do que o S2000 que eu pilotei ano passado no Rali da Finlândia; é 10 vezes melhor para pilotar e tem mais potência. É por isso que você ainda pode sair de situações críticas. Se o Fiat caísse fora com seu motor não-turbo, era fim de jogo.

Então por que você saiu da pista na Finlândia ano passado?
Não foi porque eu estava correndo muito rápido! Foi o oposto. O carro já tinha começado a se destruir, então eu só queria levá-lo até o estacionamento de serviços. O Fiat definitivamente não era o carro mais rápido da classe S2000, nem mesmo o mais estável. Meu traçado chegando na curva para a esquerda teve um erro de dois metros e capotamos.

Por que seu traçado estava errado?
Estava dirigindo com meus olhos e não com meus ouvidos. Mas no rali você tem que prestar 100% de atenção no que seu co-piloto diz.

Isto é algo que você ainda tem que aprender a fazer?
É. A pilotagem não deve ser um problema tão grande. Se você conhece o estágio especial, normalmente não vai ter muita diferença. O que faz a diferença são as notas de ritmo [as notas que o co-piloto faz sobre as condições da estrada para cada etapa do rali] e a sua confiança. É a minha desvantagem principal no começo - eu conheço apenas o Rali Ártico e o Rali da Finlândia. Tenho que descobrir o resto dos eventos eu mesmo.

Você pode usar as notas de ritmo de outras pessoas?
É sempre melhor ter as suas próprias. Se você quer ser realmente rápido, tem que ter confiança. E você nunca terá confiança completa nas anotações de outra pessoa.

Ajuda seguir a linha dos outros pilotos para se orientar?
Não. Não há como saber o que o carro da frente possa ter feito. Você tem que fazer o que o co-piloto te diz.

Quando foi seu primeiro rodopio?
Eu tinha 14 anos. Eu rodopiei o Lada do meu irmão. Tínhamos uma pista próxima à nossa casa, a 3km. Marcus Grönholm [bicampeão de rali finlandês] também treinou lá. Eu freei demais no eixo traseiro e rodei duas vezes. A barra de rolamento [a gaiola interna de segurança do carro] também quebrou.

Seu irmão Rami era visto como um grande talento no rali. Ele ainda pilota?
Não, ele é um homem de família agora. Uma vez ele foi segundo lugar, perdendo para Mikko Hirvonen [segundo lugar nos Mundiais de Rali de 2008 e 2009].

Seus sobrinhos já foram pegos pelo bug do esporte a motor?
Absolutamente! Eles têm só três e quatro anos e eles já correm de kart. Eu comprei um quadriciclo para eles.

Você é um bom co-piloto?
Não. Eu já co-pilotei para Tommi Mäkinen [quatro vezes campeão mundial de rali] uma vez. Tenho completa confiança nele, mas não gostaria de repetir a experiência. Talvez eu sente ao lado de Loeb durante um teste. Não acho que ele faria o mesmo por mim.

Você está esperando alguns rodopios ano que vem?
É claro. Durante o WRC é provável que tenham algumas manobras. Todo mundo comete erros neste esporte, e como regra, um erro normalmente significa uma quebra no carro. Quantos carros será que Jari-Matti Latvala [vencedor do WRC] e Hirvonen destruíram antes de vencer seu primeiro Mundial de Rali? O único piloto que não rodopiou foi Loeb. Ele é uma exceção.

Você acha que vai ser mais intuitivo no asfalto ou cascalho?
Temos sido surpreendentemente rápidos no cascalho, mas o asfalto provavelmente vai ser mais fácil para mim. A neve vai ser a mais difícil. O seu traçado tem que ser muito correto na neve, enquanto no asfalto não é grande coisa se você freia um metro mais tarde e tem que fazer a curva mais bruscamente. Você tem que ler o cascalho. Em alguns tipos de cascalho você tem um controle incrível com os pneus de rali, e em outros não.

Que tipo de resultados você está esperando?
Os primeiros ralis serão difíceis. Até que eu saiba o quão rápidos são os outros pilotos, vou segurar minhas expectativas pessoais. Tenho certeza que não vou conseguir acompanhar os quatro primeiros (Loeb, Dani Sordo, Hirvonen, Latvala).

Seu companheiro de equipe Sébastien Ogier também é visto como uma estrela do futuro.
É. Ele é muito bom. Ele é uma medida perfeita para comparação.

Quando você recorda a sua carreira de F1, há um momento especial que você valoriza acima dos outros?
Na F1, toda volta é mais ou menos a mesma coisa. É mais difícil se chove, mas se não logo vira rotina. No rali, cada curva ou morro pode ser diferente do que você esperava. A coisa mais divertida que fiz em anos recentes foi brincar com os amigos em scooters de neve, por exemplo. Eu acho difícil escolher um só momento dos últimos nove anos.

Que tal este como um momento para entrar para a história? Kimi Räikkönen ultrapassando Giancarlo Fisichella por fora em Suzuka na última volta do GP do Japão de 2005 para vencer a corrida?
É, aquilo foi realmente bom.

A Ferrari de 2009 deve ter sido realmente difícil de pilotar quando vemos como Giancarlo Fisichella sofreu para substituir Felipe Massa, machucado. Para não mencionar [o piloto de testes da Ferrari] Luca Badoer.
O carro não era ruim. Ele apenas não tinha aderência suficiente. Era difícil de pilotar, mas eu gostava mais da Ferrari 09 do que da 08. Não fui tão mal [Räikkönen venceu o GP da Bélgica]. Mas ele fez Fisichella envelhecer 10 anos em duas corridas!

Se você não pode ter um carro balanceado neutro, você prefere oversteer ou understeer [um carro que tem mais ou menos aderência na frente/atrás]?
Eu nunca gostei de understeer. Como você pode tirar o máximo do carro se você não sabe se ele vai virar? Você perde tempo em um circuito, mas no rali, você acaba nas árvores porque acaba o espaço.

Qual a quantidade de comunicação que o esporte a motor exige?
Como um piloto, há algumas coisas que você simplesmente não consegue comunicar. Nenhum piloto de F1 no mundo pode falar com um engenheiro de aerodinâmica de igual para igual porque os dois tem níveis de entendimento completamente diferentes. Tudo o que você pode fazer é dizer para o seu engenheiro de corrida o que você gostaria idealmente. Os mecânicos também são importantes, mas eles fazem o que os engenheiros dizem para eles fazerem. Então, sua comunicação é limitada a duas ou, no máximo, três pessoas da equipe. E então o que é feito de suas colocações depende da equipe.

No rali, às vezes você terá que trabalhar no carro você mesmo. Você sabe fazer isso?
Eu gosto. Na Finlândia, eu sempre reparei meus próprios carros. Eu mexo nas minhas motos também. Não há nada errado em sujar os dedos.

Você alimentou a imagem de 'Iceman' para sobreviver na F1?
Não. 'Iceman' vem de longa data. Na F1, a política se mete no lado divertido das coisas. A atmosfera no rali é muito melhor e há muito menos política envolvida. É muito mais sobre a performance do piloto.

Você é uma celebridade, especialmente na Finlândia. Agora que você está indo para o esporte nacional da Finlândia - o rali - você provavelmente não vai ousar sair nas ruas de Helsinki.
Eu não me importo com isso. Não pode ficar pior do que já está. Aprendi a lidar com isso.

Você fez serviço militar. O que você achou mais difícil?
Os primeiros meses foram estressantes. Gritavam com a gente. No final estávamos entediados e esgotados. Fora os filmes militares onde todos gritavam, acordar cedo era o pior.

Os pilotos de rali frequentemente tem que acordar cedo também.
Eu sei. Mas eu tinha que acordar cedo para a F1 às vezes também. É parte do trabalho.

Qual seu brinquedo favorito durante as férias?
Um snowmobile. É muito divertido andar pela Lapônia com os amigos em um. Mas o motocross também é bom.

O que faz um bom carro de estrada?
Espaço.

Qual é o último esporte que você experimentou?
Comecei a escalar ano passado com recomendação do meu personal trainer, é divertido.

Quem vai vencer a Stanley Cup de hockey?
O San José Sharks.

Quem vai vencer o ouro olímpico em snowboarding no half-pipe?
Vou cruzar meus dedos pelos finlandeses, mas provavelmente será difícil bater Shaun White.

Quem vai ser o próximo campeão mundial de rali?
Loeb ou Hirvonen. Loeb.

E da Moto GP?
As equipes mudaram muito? Não. Então, Rossi.

Fórmula 1?
Difícil dizer. Não sei quais são os planos da Ferrari. A Mercedes provavelmente vai ter um bom carro, assim como a McLaren. A Red Bull Racing provavelmente também. Então eu vou dar o título baseado em quem eu gosto: Sebastian Vettel. Ele é tão pé-no-chão.

Você tem bastante contato com ele?
Eu conheço Heikki Kovalainen [um compatriota finlandês] melhor. Como uma regra, não tenho muito contato com as pessoas da F1. Às vezes eu jogo badminton com Vettel. Ele está se mudando para a minha parte da Suíça então provavelmente vamos nos ver mais.

O quão interessado você estará na F1 se você não estará em um carro de F1?
Vou assistir a uma corrida na TV de vez em quando. Talvez eu vá para o GP de Mônaco. Posso conseguir um carro de F1 de novo a qualquer momento, mas muitas coisas ruins estão acontecendo na F1. As montadoras estão saindo. Vamos conversar de novo em um ano.

Vamos olhar bem distante para o futuro. O que significaria um título de WRC para você?
Mais do que meu título de F1. Estou recém começando e posso sentir que seria uma longa jornada até este ponto.

Ninguém o fez antes.
É outra coisa que torna isso interessante.


Fatos

Nome: Kimi Matias Räikkönen
Nascido: 17 de outubro de 1979, Espoo, Finlândia
Mora: Baar, Suíça
Macaqueando: Em 2007, disputou uma corrida de barcos vestido de gorila. Ele e seu companheiro de equipe ganharam um prêmio por "equipe mais bem vestida"
O grande mentiroso: Ele disputou eventos menores de esportes a motor sob o pseudônimo James Hunt, o campeão mundial de 1976
Conquistas:
Campeão de Kart em 1997;
Campeão Britânico da Fórmula Renault em 2000;
Test drive com a Red Bull Sauber na F1;
Campeão Mundial de F1 com a Ferrari em 2007;
18 GPs vencidos;
16 pole positions;
35 voltas mais rápidas


Entrevista original em inglês (para download): http://www.mediafire.com/?yqhlztkdz5j

Fonte: Red Bulletin
Agradecimentos: KR Forum, TaniaS, Anelise
Tradução: Fran

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